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Sherlock Holmes: A Vampira de Sussex

Atualizado: 5 de jun. de 2024

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Capa audiobook dramatizado
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Holmes tinha lido atentamente um bilhete que o último correio lhe trouxera.

Então, com um ruído seco produzido na garganta e que nele era o que mais se aproximava do riso, atirou-o a mim.

— Como mescla do moderno e do medieval, do prático e do puramente fantástico, penso que isso é certamente o limite a que é possível chegar. Que diz a isso, Watson?

Li o que se segue:


"Old Jewry, 46. 19 de novembro.Assunto: Vampiros.Prezado senhor:O Sr. Robert Ferguson, nosso cliente, sócio da firma Ferguson & Muirhead, vendedores de chá, de Mincing Lane, em memorando desta data fez-nos uma consulta relativa a vampiros. Como nossa firma é especializada estritamente na avaliação de maquinarias, o assunto da consulta foge à nossa alçada, e por isso sugerimos ao Sr. Ferguson que procurasse V. Sa. e lhe expusesse o caso. Não esquecemos o triunfo obtido por V. Sa. no caso Matilda Briggs.Com elevado apreço, subscrevemo-nos,

Morrison, Morrison, and Dodd E.J.C."


Matilda Briggs não é nenhum nome de mulher, Watson — disse Holmes, com voz que traía uma recordação. — Era um navio cuja sorte andou ligada à do gigantesco rato de Sumatra, uma história para a qual o mundo ainda não se acha preparado. Mas que sabemos nós acerca de vampiros? Isso não escapa também à nossa alçada? Antes isso que a estagnação dos charcos, mas parece que fomos transportados para o mundo encantado onde se desenrolam as histórias de Grimm. Estenda o braço para esse livro, Watson, e veja o que nos diz a letra V.

Eu me inclinei para trás e retirei da estante o grande volume de registro a que ele se referia. Holmes equilibrou-o sobre o joelho, e seus olhos moveram-se vagarosamente e com amor pelos seus casos antigos, que se misturavam com a informação acumulada de toda uma vida.

— Viagem do Gloria Scott — leu ele. — Mau negócio foi esse. Tenho uma vaga lembrança de que você tomou apontamentos sobre o caso, Watson, embora eu não pudesse me congratular com você pelo resultado obtido. Victor Lynch, o falsário. Veneno de lagarto ou do gila monster. Caso notável, esse! Vittoria, a beldade de circo. Vanderbilt e o vagabundo criminoso. Víboras. Vigor, a maravilha de Hammersmith. Sim, sim. Belo índice este! É realmente insuperável. Escute isto, Watson: vampirismo na Hungria. E ainda: vampiros na Transilvânia. — Folheou as páginas com avidez, mas, após uma leitura atenta e rápida, pôs de lado o grande livro com um gesto de desapontamento.

"Tolices, Watson, só tolices! Que nos importam cadáveres ambulantes que só podem ser mantidos no túmulo por estacas que lhes atravessem o coração? Puro desvario.

— Mas com certeza — disse eu — o vampiro não era necessariamente um morto, não é verdade? Um vivo podia muito bem pegar-lhe o costume. Eu, por exemplo, já li a respeito de certos velhos que sugavam o sangue dos moços a fim de conservar a juventude.

— Tem razão, Watson. Numa dessas referências vem mencionada a lenda. Mas iremos dar atenção a tais coisas? Esta agência tem grande solidez e reputação, e assim deve se manter. O mundo é bastante grande para nós. Não precisamos recorrer a fantasmas. Receio que não possamos levar muito a sério esse Robert Ferguson. É provável que esta carta tenha sido escrita por ele e lance alguma luz sobre o problema que o aflige.

Pegou uma segunda missiva, que estava em cima da mesa e na qual não reparara enquanto se ocupava da primeira. Começou a lê-la com um ar sorridente, mas esse sorriso foi aos poucos cedendo lugar a uma expressão de intensa concentração e interesse. Terminada a leitura, ficou por algum tempo mergulhado em pensamentos, com a carta esquecida entre os dedos. Finalmente, com um estremeção, despertou do devaneio.

— Cheeseman´s, Lamberley. Onde fica Lamberley, Watson?

— Fica em Sussex, ao sul de Horsham.

— Não muito longe, hein? E Cheeseman´s?

— Conheço a região, Holmes. Está cheia de velhas casas cujas denominações se prendem aos homens que as construíram há séculos. Assim é que você encontra por lá Odley´s e FIarvey´s e Carriton´s... As pessoas estão esquecidas, mas seus nomes perduram nas casas.

— Precisamente — disse Holmes com frieza. Uma das singularidades de sua natureza orgulhosa e pouco comunicativa era que, embora arquivasse no cérebro com grande rapidez e cuidado qualquer nova informação, raramente manifestava agradecimento ao informante. — Desconfio de que antes de chegarmos ao fim saberemos muita coisa mais a respeito de Cheeseman´s, Lamberley. A carta é, como eu esperava, de Robert Ferguson. A propósito, ele diz que o conhece.

— A mim?

— É melhor que você a leia.

Holmes entregou-a a mim. Encimava-a o citado endereço.


Prezado Sr. Holmes: [dizia a carta]
Escrevo-lhe a conselho de meus advogados. Porém, o assunto que me traz à sua presença é tão delicado que nem sei como encetá-lo. Diz respeito a um amigo que aqui represento. Esse cavalheiro casou-se há uns cinco anos com uma senhora peruana, filha de um negociante do Peru, que ele conheceu numa transação de importação de nitratos. A dama era muito formosa, mas sua nacionalidade estrangeira e sua religião diferente ocasionaram uma divergência de interesses e de sentimentos entre marido e mulher, de modo que, depois de algum tempo, seu amor por ela talvez tenha esfriado, chegando ele provavelmente a considerar sua união como um erro. Meu amigo descobriu no caráter da esposa certos aspectos que nunca chegou a sondar ou entender. Isso era tanto mais penoso quanto ela se mostrava a esposa mais dedicada que um homem podia ter, segundo todas as aparências, absolutamente devotada a ele.
Passo agora ao ponto que esclarecerei melhor quando nos encontrarmos. É que a presente missiva tem exclusivamente por fim dar-lhe um apanhado geral da situação e saber se o senhor gostaria de se envolver pessoalmente no assunto.
A senhora começou a exibir algumas facetas curiosas, inteiramente alheias à sua índole, em geral branda e delicada. O cavalheiro foi casado duas vezes, tendo um filho do primeiro matrimônio. O rapazinho tem agora quinze anos e é um adolescente encantador e muito meigo, embora infelizmente aleijado em consequência de um acidente que sofreu quando era criança. Duas vezes a esposa foi apanhada maltratando o pobre rapaz, sem qualquer provocação da parte deste. Uma vez, bateu-lhe com um pau, deixando-lhe um grande vergão num braço.
Isso, entretanto, foi coisa sem importância em comparação com o procedimento dela para com seu próprio filhinho, uma linda criança que ainda não conta um ano de idade. Em certa ocasião, há cerca de um mês, a criança ficara sozinha por alguns minutos, sem a assistência da ama. Um grito estridente, soltado pelo bebê, como que provocado por dor aguda, fez a ama voltar para junto dele. Ao entrar correndo no quarto, viu a patroa inclinada sobre o bebê, aparentemente no ato de lhe morder o pescoço. Havia nesse ponto um pequeno ferimento do qual corria um fio de sangue. A ama ficou tão horrorizada que teve vontade de chamar o pai da criança, porém a senhora implorou-lhe que não o fizesse, e chegou a dar-lhe cinco libras como paga de seu silêncio. Não foi apresentada nenhuma explicação para o caso, e daquela vez a coisa ficou por ali.
Todavia, o incidente deixou uma terrível impressão no espírito da ama, e daí por diante ela começou a observar a patroa com maior atenção e a vigiar mais de perto o bebê, a quem amava ternamente. Pareceu-lhe que, assim como ela observava a mãe, também a mãe a observava, e que cada vez que era obrigada a deixar o bebê sozinho, a mãe ficava à espera para se aproximar dele. Dia e noite a ama protegia a criança, e noite e dia a mãe, silenciosa e vigilante, parecia estar à espreita, como o lobo espera o cordeiro. O caso talvez se lhe afigure incrível, e contudo rogo-lhe que o leve a sério, porque a vida de uma criança e a sanidade mental de um homem podem depender dele.
Chegou afinal o dia em que já não foi possível conservar oculta do marido a terrível realidade. Os nervos da ama haviam cedido; a pobre mulher não suportou por mais tempo tamanho esforço e fez uma confissão franca e completa ao homem. A este, a história pareceu tão absurda como talvez pareça agora ao senhor. Ele sabia que a esposa era uma mulher amorosa e, excluindo suas agressões contra o enteado, uma mãe afetuosa. Como admitir, então, que ela ferisse o próprio filhinho? Disse à ama que ela devia estar sonhando, que suas suspeitas eram próprias de uma demente e que não era possível tolerar acusações daquele tipo contra a patroa. Enquanto os dois conversavam, ouviu-se de súbito um grito lancinante. Ama e patrão correram ao quarto do bebê. Imagine os sentimentos do marido, Sr. Holmes, ao ver a esposa, que estivera de joelhos, levantar-se de junto do berço, e ao ver sangue sobre o pescoço descoberto do bebê e o lençol. Com um grito de horror, virou o rosto de sua mulher para o lado da luz e viu-lhe sangue nos lábios. Fora ela — ela, sem sombra de dúvida — quem tinha bebido o sangue da pobre criança.
É essa a atual situação do caso. Ela agora não sai do quarto. Não foi dada nenhuma explicação. O marido está quase desnorteado. De vampirismo, tanto ele como eu pouco mais sabemos que o nome. Pensávamos que era alguma lenda estrangeira. E todavia aqui, bem no coração do Sussex inglês. Bem, tudo isso pode ser discutido com o senhor pela manhã. É possível? Estará disposto a usar suas grandes faculdades para ajudar um homem aflito? Em caso afirmativo, queira telegrafar para Ferguson, Cheeseman´s, Lamberley, e aí pelas dez horas eu estarei em sua casa. Com grande estima e apreço,
Robert Ferguson.
P.S. — Creio que seu amigo Watson jogou rúgbi para o Black-heath quando eu era jogador do Richmond. É a única apresentação da minha pessoa que posso oferecer."

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