O Terceiro Choro à Meia Noite
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- 9 de jan. de 2024
- 17 min de leitura
Atualizado: 5 de jun. de 2024
Sinopse: Mergulhe na vida esperançosa do casal Guliver, cujo o lar se enche de antecipação e promessas com a preparação do quarto para o tão aguardado novo membro da família. Sob a prosa envolvente e íntima de Vinícius Léscio, uma narrativa ganha vida, capturando a atmosfera de expectativa e amor que permeia cada canto da casa.
Contudo, uma carta misteriosa é descoberta no assoalho, endereçada aos dois abortos anteriores, revelando os sentimentos dolorosos de uma mãe, que perde sua sanidade ao dar a luz seu tereiro filho. Esse não é um conto para quem gosta de romances. Já, aos amantes do supense e horror: bem vindos!

O Terceiro Choro à Meia Noite
O quarto do bebê estava impregnado de uma atmosfera suave e acolhedora, refletindo o amor e a expectativa que envolviam o casal recém-casado. As paredes eram pintadas em tons suaves de azul e branco, criando um ambiente tranquilo e reconfortante. Uma suave cortina de voile adornava a janela, filtrando a luz natural que iluminava delicadamente o espaço.
O berço, posicionado no centro do quarto, era um espetáculo de ternura. Um dossel leve, decorado com suaves estrelas e luas, pairava sobre o berço, adicionando um toque celestial. As roupas de cama, cuidadosamente escolhidas, eram macias ao toque, proporcionando conforto ao futuro membro da família que em breve preencherá aquele espaço.
Próximo ao berço, uma cômoda elegante continha os pequenos tesouros que aguardavam pelo bebê: roupas minúsculas dobradas com carinho, sapatinhos adoráveis e brinquedos infantis coloridos. Cada item tinha sido escolhido com amor e antecipação, refletindo a promessa de dias repletos de risos e descobertas.
Ao redor do quarto, adesivos decorativos de animais e personagens encantadores adornavam as paredes, criando um ambiente lúdico. Uma poltrona confortável e almofadas aconchegantes compunham um cantinho acolhedor para a mãe, onde ela poderia amamentar e acalmar o bebê nas noites serenas.
O casal, imerso na preparação do quarto, compartilhava sorrisos cúmplices e olhares cheios de amor. Cada gesto, desde a escolha dos móveis até a disposição dos brinquedos, era impregnado de uma ansiedade alegre. A expectativa da chegada iminente do bebê enchia o ar, criando uma doce e contagiante energia de felicidade.
Enquanto arrumavam os últimos detalhes, o casal imaginava as noites de sono interrompidas por choros suaves, os primeiros passos incertos e as risadas incontroláveis. A preparação do quarto era mais do que uma tarefa; era a construção de um ninho amoroso e seguro para receber o novo membro da família. A cada arranjo cuidadoso, eles nutriam não apenas o ambiente físico, mas também os laços emocionais que se fortaleciam com a chegada iminente do bebê, transformando aquele espaço em um refúgio de amor e alegria.
O quarto do bebê era um refúgio silencioso no meio da tempestade emocional que o casal enfrentou. As paredes, antes vibrantes de entusiasmo, agora pareciam conter uma sombra sutil de melancolia. A pintura azul, outrora suave, adquirira uma tonalidade mais profunda, como se absorvesse as lágrimas que ambos derramaram nas noites de desespero silencioso.
Eles já haviam perdido dois pequenos feixes de esperança anteriormente, duas promessas que se desvaneceram antes mesmo de poderem ser seguradas nos braços amorosos dos pais. O primeiro luto deixou cicatrizes profundas, mas foi a segunda perda que mergulhou o casal em um abismo de desespero. Cada batida do coração esperançoso dava lugar a um silêncio doloroso que ecoava nos cantos escuros de suas almas.
A mãe, uma figura de resiliência disfarçada, encontrava consolo nas noites de insônia, perdida em pensamentos tortuosos. Cada vez que fechava os olhos, via flashes de promessas não cumpridas e ouvia o eco sutil de risos infantis que nunca se materializaram. A esperança, antes uma chama ardente, foi um fio delicado que ela segurava com dedos trêmulos.
O pai, escondendo seu próprio desespero por trás de uma máscara de otimismo, encontrava refúgio na ocupação constante. Ele montava o berço com mãos trêmulas, lembrando-se das vezes anteriores em que fizera o mesmo ritual, apenas para desmontá-lo mais tarde em lágrimas. Cada peça encaixada era uma batalha contra os fantasmas do passado, uma tentativa desesperada de construir um futuro que ele temia perder novamente.
A perda dos dois bebês anteriores havia criado um abismo entre eles, um abismo que parecia impossível de transpor. No entanto, a notícia do terceiro bebê, o milagre que resistiu ao destino cruel das duas gestações anteriores, reavivou uma chama hesitante dentro deles. Era como se a esperança, cansada de se esconder nas sombras, finalmente decidisse enfrentar a luz.
A expectativa pairava no ar, misturando-se com a ansiedade e o medo que haviam se tornado companheiros constantes. Cada movimento do bebê dentro da barriga era uma sinfonia frágil de vida que os lembrava da fragilidade de sua felicidade recentemente recuperada. O quarto, agora marcado pela dor passada e pela esperança renovada, tornou-se um santuário onde a luta entre o pesar e a antecipação se desenrolava.
Na véspera do nascimento iminente, o casal se deparava com a encruzilhada entre o passado doloroso e o futuro incerto. O quarto do bebê, com suas paredes que testemunharam lágrimas e risos, contava a história única de um casal que ousava sonhar novamente, mesmo depois de ter perdido tanto.
O médico, com expressão profissional e voz cuidadosamente medida, dirigiu-se ao casal durante a ultrassonografia, comunicando os resultados de forma técnica e empática.
"Senhor e senhora Gulliver, gostaria de compartilhar os resultados da última ultrassonografia fetal. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que o feto está atualmente em bom estado, apresentando indicadores gerais dentro dos parâmetros considerados normais."
Ele pausou brevemente para permitir que a informação fosse absorvida antes de prosseguir.
"Contudo, durante a avaliação do coração fetal, identificamos sinais de insuficiência cardíaca. Especificamente, observamos uma diminuição na função ventricular, indicativa de uma certa limitação no desempenho cardíaco. Gostaria de enfatizar que, embora esse diagnóstico seja preocupante, o feto está respondendo bem ao ambiente intrauterino, e seu estado atual não sugere complicações iminentes."
O médico utilizou imagens da ultrassonografia para ilustrar os pontos específicos relacionados à insuficiência cardíaca, explicando detalhadamente os aspectos técnicos do exame.
"Vocês devem entender que, neste momento, estamos diante de um quadro de insuficiência cardíaca fetal compensada. O que isso significa é que o coração do bebê está se esforçando para atender às demandas, mas até agora, está conseguindo manter um equilíbrio satisfatório. Estamos monitorando de perto para garantir que qualquer alteração seja detectada e tratada prontamente."
Ele fez uma pausa, proporcionando espaço para perguntas ou preocupações.
"Estamos comprometidos em fornecer o suporte necessário ao longo da gestação, incluindo acompanhamento mais frequente para monitorar a função cardíaca fetal. Além disso, podemos considerar consultas com especialistas em cardiologia fetal para avaliações mais aprofundadas. É crucial mantermos uma abordagem proativa e personalizada para otimizar os cuidados à medida que avançamos."
O médico terminou a explicação com um tom de compaixão, reconhecendo a complexidade emocional do momento para o casal. "Estamos aqui para apoiá-los em cada etapa desse processo, e nossa equipe está à disposição para responder a todas as suas perguntas e fornecer o suporte necessário para garantir a melhor saúde possível para o bebê."
Ao receber a notícia sobre a insuficiência cardíaca do bebê, uma tempestade de sentimentos contraditórios varreu a mente do casal. A preocupação, densa e palpável, pairava sobre eles como uma nuvem escura, mas não completamente dominante. A esperança, apesar de frágil, fazia-se presente, lançando raios de luz através das fendas dessa escuridão.
O olhar trocado entre o casal era uma comunicação silenciosa, um diálogo de ansiedades compartilhadas. Enquanto o médico explanava com uma linguagem técnica, os olhos da mãe denunciavam uma luta interior entre a angústia e a determinação. Seu rosto, antes iluminado pela expectativa, agora refletia a preocupação e a necessidade de compreender a magnitude do desafio que tinham pela frente.
O pai, por sua vez, encarava os resultados com uma expressão contida, uma máscara de racionalidade que mal escondia a inquietação subjacente. Sua mão buscava instintivamente a da esposa, um gesto de apoio que era simultaneamente uma busca por força diante da incerteza. Nos gestos deles, havia um elo silencioso, uma conexão profunda que resistia às ondas tumultuadas de emoção.
Os dias seguintes se desdobraram como um equilíbrio instável entre momentos de pesquisa frenética sobre a condição do bebê e outros de relativa normalidade, como se a vida cotidiana insistisse em continuar apesar da tempestade emocional. O casal, enquanto buscava informações e consultava especialistas, mantinha uma aura de cautela ao redor do ventre crescente.