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UM DEMÔNIO CHAMADO CECÍLIA - Josué Teodoro

Atualizado: 5 de jun. de 2024

Em uma época marcada pela escravidão, a força do espírito de um povo se mostrou mais poderosa do que qualquer forma de opressão. A jovem Hadiya, cujo nome estava entrelaçado com uma profecia de destino incerto, emergiu como uma luz em meio às trevas. Sua jornada não foi fácil, mas a fé em suas raízes e a coragem em seu coração a guiaram. A profecia, transmitida através das gerações por seus ancestrais e que pousou em seu ventre, se tornou o farol que iluminou seu caminho. Ela enfrentou adversidades inimagináveis e lutou contra a crueldade de uma senhora chamada Cecília, de coração perverso. Através de sua bravura e sacrifício, Hadiya conseguiu libertar seu povo das garras da opressão. Ela cumpriu as palavras da profecia, aceitou seu destino e, ao fazê-lo, não apenas quebrou as correntes físicas que prendiam seu povo, mas também libertou seus espíritos. A história de Hadiya é um testemunho do poder do espírito humano e da busca incessante pela liberdade. É uma lembrança de que mesmo nas horas mais sombrias, a esperança pode florescer e com ela o sonho se realizar.

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PREFÁCIO

“Sim, seu ventre irá governar, minha filha, pois trazes um presente dos deuses contigo, mas para tanto haverá de ser Também um sacrifício”


Hadiya significa presente ou sacrifício, e esse nome carrega uma grande responsabilidade, pois toda sua história encontra-se dentro dessas duas palavras.

Ela teve que ser abatida para se erguer. Sua maior dor foi ver sua herança de ventre ser arrancada a força diante de seus olhos. Ela teve que lutar feito um homem porque sua gente precisava de que fosse forte. E teve que se humilhar para salvar o seu povo e, por fim, se entregar para destruir o inimigo.

Conheça Hadiya, a guerreira africana que resgatou o seu povo da escravidão e se entregou ao opressor levando-o a um destino fatal.



ESCRAVIZADA


Arrastar feno para os cavalos, levar a água até a casa grande, lavar as panelas de barro encrostadas de gordura queimada. A pobre moça também tinha a responsabilidade de cuidar de Catarina, a filha nojenta de Dona Cecília. Essa era a rotina de Hadiya com o povo branco da casa grande, que dizia que era metida demais, e que por isso precisavam mantê-la por perto, debaixo da rédea. Essa cobrança constante lhe roubava todo tempo de seus dias e via com tristeza seus filhos crescerem sem conhecê-la direito. Assistir sua gente sendo humilhada a obrigava abrir mão da bênção de ser mãe, da graça de ser mulher e da grandeza de ser rainha, mas o fogo que a motivava estava acima de qualquer título que lhe era conferido através das palavras dos antigos sábios.


A muito tempo, antes de serem capturados, a Mãe de todos, Ba-bauáh, parecia ansiosa para abraçar o grande espírito. Já com idade avançada não aguentaria o peso de governar por mais tempo, e se preparava para passar o cetro do poder para sua filha Makida. Mas a invasão dos brancos espalhou sua gente, e o que se sabe é que Makida, sua filha herdeira, assim como muitos, veio a falecer, mas não sem lutar honrando o seu povo e protegendo a promessa que segurava nos braços a pouco concedida pelos deuses. Lutou bravamente como a guerreira que foi criada para ser.


A criança foi levada a força, contudo Makida lutou com garra e coragem para impedir que seu povo fosse dominado. Lutou muito mais para impedir que levassem o bebê “presente e sacrifício”, bênçãos dos deuses que germinou em seu ventre. E então por tudo isso lutou até a morte.


Olhos viram e as bocas dirão aos quatro ventos sem faltar nenhuma palavra, da rainha guerreira que lutou bravamente com garra até a morte. Naquela ocasião ela dizia, e um pouco antes de morrer repetiu: A fera que habita em mim habita também em todos vocês.

Essa história é contada e passada sempre com muito cuidado para que nada seja mudado, e para que os filhos daquela terra jamais esqueçam quem são e de onde vieram. Sua linhagem é da realeza, isso ninguém jamais vai mudar e então é importante que saibam que são guerreiros e são fortes.


Hadiya pediu a painho Gadirú que protegesse seus filhos a qualquer custo, pois sabia do valor das crianças para o seu povo, já que seu esposo havia sido levado para a pesca e não voltou. Existe uma lenda que diz que as águas levam quem não é fiel e honesto aos patrões, e seu marido a apoiava em tudo e por isso era considerado um rebelde. As crenças dos negros são fortes e por isso, os brancos da casa grande se aproveitavam criando esses mitos fantasmas que habitam os rios lagos e florestas para dominar a mente fragilizada dos pobres escravizados.


A palavra “Escravizada” nem deveria existir, mas existe e foi por ela onde tudo começou.

Nem se quiser um daquele povo estava conformado em baixar a cabeça e viver dizendo sim para tudo; e as histórias que eram ditas sobre a mãe de Hadiya ter exibido garras e presas enquanto lutava, dava força e senso de preservação a todos, o que incomodava muito os senhores da casa grande. E além disso já havia crianças nascendo de cor clara enfraquecendo a linhagem real, e os problemas e divisões, também começavam a surgir no meio do povo.


Em um dia ensolarado, não do tipo agradável, mas do tipo que deixa a pele da gente húmida, Hadiya, depois de ter feito todas as tarefas, ainda teve que alimentar aos porcos, e ficou fedendo a lavagem. Isso não seria um problema se tivesse tido tempo de se limpar, mas Dona Cecilia a chamou da porta dos fundos da casa grande, e estava segurando a mão da pequena Catarina, parecendo muito nervosa. Exigia que Hadiya olhasse a criança, pois teria que receber gente importante em casa.


— Sim senhora, apenas deixe-me limpar essa sujeira — Hadiya respondeu com muita educação, mas dona Cecília, ou não escutou ou simplesmente quis agir daquele jeito mesmo, é difícil de dizer, pois muitas das vezes essa gente da casa grande promove sofrimento apenas por prazer.


— Anda logo escrava! — Dona Cecília falou esbanjando

Hadiya não teve outra opção a não ser ir até a menina e segurar com as mãos sujas de lavagem, a mão de Catarina. Dona Cecilia a encarou fazendo cara de nojo e disse: Escrava imunda. Como se atreve a tocar nessa criança assim desse jeito?


— Eu sinto muito senhora. — Hadiya respondeu constrangida. Ela não sabia o que fazer, pois soltar a mão de Catarina poderia ser pior, então tentou ser gentil e perguntou o que gostaria que fosse feito para que tudo ficasse bem. Mas Dona Cecilia disse:


—Que absurdo, escrava insolente. Não tem nada que possa fazer para reverter essa situação.


Foi quando arrancou a mão de Catarina com violência das mãos de Hadiya e a empurrou com o pé na altura da barriga a deixando desequilibrada ao ponto de tombar. A pequena

Catarina que olhava toda a cena ainda quieta, ao ver a negra no chão, começou a rir e repetir várias vezes a palavra Escrava. Dona Cecilia olhou para Hadiya e reafirmou as palavras da criança com muita raiva.


— ESCRAVA!


Hadiya não sabe de onde veio aquela força que emergiu de seu interior, e foi assim que se levantou limpando sua roupa da poeira vermelha enquanto dizia ainda olhando para baixo:


— Escrava não, senhora, Escravizada.


— O que? — Perguntou Dona Cecilia contrariada e com mais raiva ainda. — Quero ver essa sua insolência no tronco, escrava desgraçada. Só repita isso mais uma vez.

Hadiya, arregalou os olhos exibindo aquela região branca, aposturou-se levantando a cabeça e empinando o nariz reafirmando sua dignidade, e o elevou à altura da rainha que sabia que era, e então disse mais uma vez:


— Não sou uma escrava, Senhora, eu sou uma ESCRAVIZADA.


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