Na Cabeça Dela - Josué Teodoro
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- 13 de jun. de 2024
- 11 min de leitura
Sinopse: Às vezes, não basta fingir que o passado não aconteceu, pois a vida, mais cedo ou mais tarde, cobra suas dívidas. A rotina tranquila de Dona Edneia está prestes a ser abalada quando seu passado ressurge, exigindo ajustes de uma época que ela preferiria esquecer. Uma terrível aparição começa a usar sua filha como instrumento de vingança por uma questão que foi apagada de suas memórias. A batalha espiritual que Dona Edneia enfrenta não pode ser resolvida apenas com a leitura de um texto bíblico. Talvez a justiça divina não perdoe erros do passado, mesmo que esses erros tenham sido descartados como entulho em um terreno baldio.

PRIMEIRO CAPÍTULO
Guilda gostava de ir até o brejo e passava horas por lá. Era o seu lugar e divertimento preferido. “Não sei o que tanto, aquela garota vê naquele lugar?”. Essa era a frase que as crianças escutavam todos os dias porque todos os dias Guilda ia brincar no brejo. Dona Ednéia dizia sempre para não ficarem indo nesses lugares esquisitos porque tem muita coisa escondida que ninguém sabe lidar. “Como o que”? Uma das crianças perguntou. “Como assobio de Cobra por exemplo. Por acaso vocês não sabem que não se pode assobiar de volta que se não, a cobra leva vocês pro mundo de lá? Pois é, então é por essas e por outras que não gosto que Guilda vá pro brejo. Sem contar que “Ir para o brejo”, é uma expressão terrível, que para piorar, ela nem fala a frase, pior, faz o que diz a frase”.
As filhas de Nestor vivem inventando moda pra levar Guilda para a bagunça e no final ela sempre acaba lá no brejo. “Já disse outras vezes que não quero Guilda com elas. Se Nestor não cria bem seus filhos, os meus tem quem crie.”
Assim vivia tranquila, a família de Dona Edneia, mãe de dois filhos, Galdino o mais velho e Guilda a mais novinha e mais curiosa.
Dona Edneia trabalhava fora toda terça e quinta e nos outros dias buscava roupas dos vizinhos próximos para lavar e passar. Montava várias trouxas de roupas e voltava para casa. Eram sempre trouxas enormes que vinha equilibrando sobre a cabeça. Era assim que sustentava a sua família. Viúva muito cedo, resolveu que não iria se casar novamente. “Aquele traste entrou na minha vida só pra botar cria no mundo”, ela dizia.
Ela era uma jovem senhora típica de bairro de periferia do Rio de Janeiro. Dessas mães cuja paciência está sempre à flor da pele, e nunca explica nada para os filhos. Resolve tudo na base dos tabefes, mas apesar do julgamento errado de quem vê existia e existe um amor incomparável acontecendo ali.
Uma vez, depois de recolher as roupas na vizinhança, a trouxa se desmanchou perto de casa e Dona Ednéia gritou para que Guilda a ajudasse, mas a menina estava enfurnada, brincando no brejo. A pobre senhora ficou algum tempo ajeitando as roupas e refazendo a trouxa que tornava a cair assim que levava até a cabeça. Isso a estava deixando muito irritada. Por sorte, um vizinho vinha passando e a ajudou com as trouxas. Amarrou-as bem firme, esperou que Dona Ednéia se colocasse de pé e cuidadosamente ajeitou a trouxa em sua cabeça. Dona Edneia agradeceu e seguiu para casa.
Eu diria que ela estava colérica. Jurou que pegaria Guilda de chineladas até a garota prometer nunca mais entrar no Brejo. Mas o que Dona Ednéia não poderia jamais imaginar, é que daquele lugar viria uma das suas mais terríveis experiências vividas.